terça-feira, 25 de março de 2014

Saul Leblon: O jogo pesado contra a Petrobras --- Entenda como se forma uma ba$e de apoio político --- A manipulação do escândalo Pasadena --- Internet: rede da cidadania ou das corporações capitalistas?

.




Colunista
24/03/2014 - Copyleft 
Maria Inês Nassif


A resposta é: pela capacidade que dispõe de comprar aliados. O poder de chantagem é uma teia que se estende de baixo para cima, chegando até a Presidência.


É quase um dèjá vu a grave crise que sacode a base aliada do governo da presidenta Dilma Rousseff. A forma como o sistema político brasileiro tende tradicionalmente a fragmentar a representação parlamentar, e também a incentivar uma luta fratricida entre candidatos do mesmo partido ou da mesma coligação nas eleições para a Câmara dos Deputados, fatalmente leva a atritos semelhantes no início das articulações para a composição de chapas e coligações. São as movimentações feitas a partir de agora que definirão as posições de cada um no cenário eleitoral que será oficializado em junho, nas convenções partidárias, e definido em outubro, nas eleições do dia 4 de outubro.

Os candidatos a presidente têm direito a um segundo turno. Os que disputam as eleições parlamentares, não. O destino deles é selado na primeira eleição (que ocorrerá este ano em 5 de outubro). A vantagem que eles têm sobre os candidatos a cargos executivos são os 21 dias entre a sua eleição e a do presidente da República, se a decisão sobre o mandato presidencial for para um segundo turno. É tempo suficiente para um deputado eleito se redimir com o candidato a presidente com mais chances de vitória e se aliar a ele, não sem antes garantir posições que permitam a ele manter uma máquina de captar apoios à eleição seguinte.

É lógico que a regra se aplica aos eleitos pela política tradicional, que dependem de uma cadeia de favores para manter o fluxo de dinheiro para campanhas caras e alianças igualmente onerosas no âmbito municipal. O apoio a grupos políticos no interior do Estado é fundamental para esses parlamentares. É também importante o acesso a bunkers urbanos – periferias dominadas por grupos criminosos, ou comunidades religiosas com acesso a grande número de pessoas. Para tudo isso, é preciso ter poder econômico.

É preciso saber como isso acontece para entender, por exemplo, o poder de que dispõe o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), e os interesses que o movem no papel de deflagrador permanente de crises – pelo menos nos últimos meses.

Existe uma discussão sobre a legitimidade das emendas parlamentares – aquelas definidas por deputados e senadores, aprovadas no Orçamento e que devem ser liberadas pelo presidente da República para chegar ao seu destino. Teoricamente, nada há de errado no fato de o deputado ou senador levar uma melhoria para o município que o apoia – uma ponte, uma estrada, um açude ou qualquer obra que resulte num benefício para a população local. Existem indícios contundentes, todavia, de que as emendas são o principal combustível, e a principal fonte de corrupção, de um bom número de parlamentares que rezam pela cartilha da política tradicional.

Entenda-se como político tradicional aquele cujos interesses eleitorais e particulares se sobrepõem aos interesses públicos, e com isso substituem um vínculo orgânico, político e ideológico, com partidos e eleitores, por negociações privadas de coisa públicas (como emendas parlamentares) para conseguir dinheiro para comprar apoios e votos.

Falamos aqui em tese, não de deputados específicos. A investigação de como agem, e dos limites legais da ação política desses parlamentares, compete ao Ministério Público, à Polícia Federal – e, depois de uma denúncia formal, à Justiça.

Vamos, por suposição, pegar o caso do deputado X. Ele é eleito por um partido forte nacionalmente, mas fraco regionalmente, com dinheiro trazido de esquemas mais diretos de corrupção – por exemplo, o obtido em cargos executivos. O fato de ter dinheiro – de preferência para se eleger e fazer esse favor a mais alguns de sua chapa – o credenciam a ser escolhido na convenção. Uma vez eleito, organiza-se para garantir a eleição para o mandato seguinte.

O esquema do deputado X é o trivial. Como este parlamentar não tem grande acesso ao partido nacional, nem muitos parlamentares que beneficiem de seu jogo, negocia emendas. Os projetos das obras vêm prontos, de empresas interessadas em fazê-los. Essas empresas destinam parte do dinheiro auferido pela obra (ou serviço) para a campanha seguinte do deputado X, que ao final de seu mandato terá dinheiro suficiente para enfrentar novas eleições. Garantiu o seu.

O deputado Y, no entanto, é mais ambicioso. Com um esquema quase profissional de negociação de emendas e favores, tem um caixa que permite a ele financiar a sua eleição, a eleição de prefeitos na sua base e de muitos parlamentares, tanto de seu Estado como de outros, de seu partido e dos demais. A sua máquina de captação permite, além de simplesmente arrecadar e distribuir dinheiro para eleição de terceiros, agenciar relações entre políticos e empresas.

Depois de algum tempo operando dessa forma, o deputado Y conhece as necessidades mais primitivas dos políticos a que serve e ter a liderança sobre eles, não apenas porque seus interesses coincidem, como pelo fato de saber dos mais escusos segredos de um número considerável deles.

Esse deputado Y tem o poder de mobilizar grande número de parlamentares e provocar crises. E este é o seu segredo para conseguir levar tanta gente num jogo de chantagem que atende principalmente a seus interesses privados.

É uma descrição grosseira de como homens públicos se rendem tão facilmente a interesses privados, mas não está nem um pouco longe da realidade da política tradicional brasileira. A descrição desse mecanismo de financiamento político do Legislativo, contudo, explica por que pessoas com tão pouco senso público conseguem credenciais para nomear ministros ou diretores de estatais. O poder de chantagem é uma teia que se estende de baixo, da base de apoio parlamentar de um governo, para cima, até a Presidência da República. Não é apenas da presidenta Dilma Rousseff, mas de todos os eleitores do país que têm o poder de seu voto relativizado pelo poder econômico desses parlamentares.
__________________________________________________________________________

A manipulação do escândalo Pasadena

No post "Cláusula Marlin, o erro central na compra da refinaria"  expliquei em detalhes os problemas do contrato de compra da refinaria.

Havia duas cláusulas colocadas em questão:

1. A "put option", pelo qual cada sócio tem o direito de oferecer sua parte para o outro. E o que receber a proposta tem duas alternativas: ou comprar a parte do outro ou vender a sua pelo valor proposto pelo sócio. É cláusula comum em quase todos os contratos onde existem dois acionistas principais.

2. A "clausula Marlin", pela qual a Petrobras garantia à Astra (sua sócia na Pasadena) rentabilidade mínima de 6,9% ao ano. Este é o ponto central pois, caso a rentabilidade caísse abaixo desse valor, a Petrobras seria prejudicada.

Confiram, agora, como se turbina uma denúncia

O Estadão solta uma matéria "denunciando" o fato do Conselho da Petrobras ter aprovado a compra de uma refinaria no Japão que continha a cláusula "put option", que é comum a esse tipo dee contrato.

Os repórteres fizeram um bom trabalho e separaram bem as duas cláusulas: a put e a Marlim. E citaram declarações do ex-presidente José Gabrielli mostrando que a cláusula "put" não tinha nada de excepcional. Os repórteres informam que a compra da refinaria do Japão continha a cláusula "put", mas não a cláusula de Marlim

"Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o ex-presidente da Petrobrás José Sérgio Gabrielli citou o contrato da refinaria de Okinawa como exemplo de que o Put Option era comum nos contratos da empresa, colocando em dúvida a versão da presidente de que foi surpreendida pela cláusula no caso Pasadena. O contrato do Japão não continha a cláusula de Marlim".

Fica claro na reportagem que a diferença é a cláusula Marlim - que não constava na compra da refinaria japonesa. Repito: o problema é a cláusula Marlim, jamais o put.

A manchete do jornal, no entanto, escandaliza o que não é escândalo, não considerando o conteúdo enviado pelos repórteres.
Aí o G1 repercute a falsa denúncia:
Na sequencia, a oposição pega a falsa denúncia é pede CPI - o que é prontamente repercutido pelo jornal.
_______________________________________________________________________________

De...
Boletim de Atualização - Nº 372 - 25/3/2014
...para a PressAA...

O jogo pesado contra a Petrobras

É preciso repensar preenchimento de cargos no aparelho de Estado. Mas é inegável que há campanha para desmoralizar (e depois privatizar) empresa indispensável
Por Saul Leblon, em Carta Maior:
O caso Pasadena pode ser tudo menos aquilo que alardeia a sofreguidão conservadora.Pode ser o resultado de um ardil inserido em um parecer técnico capcioso. Pode ser fruto de um revés de mercado impossível de ser previsto, decorrente da transição desfavorável da economia mundial; pode ser ainda – tudo indica que seja – a evidência ostensiva da necessidade de se repensar um critério mais democrático para o preenchimento de cargos nas diferentes instancias do aparelho de Estado.
Pode ser um mosaico de todas essas coisas juntas.
Mas não corrobora justamente aquela que é a mensagem implícita na fuzilaria conservadora nos dias que correm.
Qual seja, a natureza prejudicial da presença do Estado na luta pelo desenvolvimento do país.
Transformar a história de sucesso da Petrobrás em um desastre de proporções ferroviárias é o passaporte para legitimar a agenda conservadora nas eleições de 2014.
Ou não será exatamente o martelete contra o ‘anacronismo intervencionista do PT’ que interliga as entrevistas e análises de formuladores e bajuladores das candidaturas Aécio & Campos?
Pelas características de escala e eficiência, ademais da esmagadora taxa de êxito que lhe é creditada – uma das cinco maiores petroleiras do planeta, responsável pela descoberta das maiores reservas de petróleo do século XXI -, a Petrobrás figura como uma costela de pirarucu engasgada na goela do mercadismo local e internacional.
Ao propiciar ao país não apenas a autossuficiência, mas a escala de descobertas que encerram o potencial de um salto tecnológico, capaz de contribuir para o impulso industrializante de que carece o parque fabril do país, a Petrobrás reafirma a relevância insubstituível da presença estatal na ordenação da economia brasileira.
Estamos falando de uma ferramenta da luta pelo desenvolvimento. Não de um conto de fadas.
Há problemas.
A empresa tem arcado com sacrifícios equivalentes ao seu peso no país.
Há dois anos a Petrobrás vende gasolina e diesel por um preço 20% inferior ao que paga no mercado mundial.
Tudo indica que a cota de contribuição para mitigar as pressões inflacionárias decorrentes de choques externos e intempéries climáticas tenha chegado ao limite.
Mas não impediu que a estatal fechasse 2013 como a petroleira que mais investe no mundo: mais de US$ 40 bilhões/ano: o dobro da média mundial do setor.
Ademais, ela é campeã mundial no decisivo quesito da prospecção de novas reservas.
Os números retrucam o jogral do ‘Brasil que não deu certo’.
O pré-sal já produz 405 mil barris/dia.
Em quatro anos, a Petrobras estará extraindo 1 milhão de barris/dia da Bacia de Campos.
Até 2017, ela vai investir US$ 237 bilhões; 62% em exploração e produção.
Dentro de quatro anos, os poços do pré-sal estarão produzindo um milhão de barris/dia. Em 2020, serão 2,1 milhões de barris/dia.

Praticamente dobrando para 4 milhões de barris/dia a produção brasileira atual.
O conjunto explica o interesse dos investidores pela petroleira verde-amarela que está sentada sobre uma poupança bruta formada de 50 bilhões de barris do pré-sal.
Mas pode ser o dobro disso; os investidores sabem do que se trata e com quem estão falando.
Há duas semanas, ao captar S$ 8,5 bi no mercado internacional, a Petrobrás obteve oferta de recursos em volume quase três vezes superior a sua demanda.
O marco regulador do pré-sal – aprovado com a oposição de quem agora agita a bandeira da defesa da estatal – instituiu o regime de partilha e internalizou o comando de todo o processo tecnológico, logístico, industrial, comercial e financeiro da exploração dessa riqueza.
Todos os contratados assinados nesse âmbito passam a incluir cláusula obrigatória de conteúdo nacional nas compras da ordem de 50%/60% , pelo menos.
Esse é o ponto de mutação da riqueza do fundo do mar em prosperidade na terra.
Toda uma cadeia de equipamentos, máquinas, logística, tecnologia e serviços diretamente ligados, e também externos, ao ciclo do petróleo será alavancada nos próximos anos.
O conjunto pode fazer do Brasil um grande exportador industrial inserido em cadeias globais de suprimento e inovação – justamente o que falta ao fôlego do seu desenvolvimento no século XXI..
É o oposto do projeto subjacente ao torniquete de manipulação e engessamento que se forma em torno da empresa nesse momento.
Para agenda neoliberal não faz diferença que o Brasil deixe de contar com uma alavanca industrializante com as características reunidas pela Petrobrás.
Pode ser até bom.

O peso de um gigante estatal na economia atrapalha a ‘ordem natural das coisas’ inerente à dinâmica dos livres mercados, desabafa a lógica conservadora.A verdade é que se fosse depender da ‘ordem natural das coisas’ o Brasil seria até hoje um enorme cafezal .
Sem problemas de congestionamento ou superlotação nos aeroportos, para felicidade de nove entre dez colunistas isentos.
Toda a industrialização pesada brasileira, por exemplo – que distingue o país como uma das poucas economias em desenvolvimento dotada de capacidade de se auto-abastecer de máquinas e equipamentos – não teria sido feita.
Ela representou uma típica descontinuidade na ‘ordem natural das coisas’.
A escala e a centralização de capital necessárias a esse salto estrutural da economia não se condensa espontaneamente em um país pobre.
Num mercado mundial já dominado por grandes corporações monopolistas nessa área e em outras, esse passo, melhora, essa ruptura, seria inconcebível sem forte intervenção estatal no processo.
Do mesmo modo, sem um banco de desenvolvimento como o BNDES, demonizado pelo conservadorismo, a indústria e a economia como um todo ficariam comprometidos pela ausência de um sistema financeiro de longo prazo, compatível com projetos de maior fôlego.
Do ponto de vista conservador, a estatização do crédito, a exemplo do protecionismo tarifário à indústria nascente –implícito nas exigências de conteúdo nacional no pré-sal – apenas semeiam distorções de preços e ineficiência no conjunto da economia.
É melhor baixar as tarifas drasticamente; deixar aos mercados a decisão sobre quem subsistirá e quem perecerá para ceder lugar às importações.
O corolário dessa visão foi o ciclo de governos do PSDB, quando se privatizou, desregulou e se reduziu barreiras à entrada e saída de capitais.
A Petrobrás resistiu.
Em 1997 até um novo batismo fora providenciado para lubrificar a operação de fatiamento e venda dos seus ativos aos pedaços.
Não seu.
Dez anos depois, em 2007, essa resistência ganharia um fortificante ainda mais indigesto aos estômagos conservadores com a descoberta e regulação soberana das reservas do pré-sal.
Num certo sentido, a arquitetura de exploração do pré-sal avança na superação de um segundo degrau dos gargalos históricos do desenvolvimento brasileiro.
Mais que isso, esboça um modelo.
Se a empresa privada nacional não tem escala, nem capacidade tecnológica para suprir as demandas do desenvolvimento, uma estatal pode – como o faz a Petrobras – instituir prazos e definir garantias de compra que de certa forma tutelem a iniciativa privada deficiente.
Dando-lhe encomendas para se credenciar ao novo ciclo de expansão do país –e até mesmo operar em escala global, inserindo-se nas grandes cadeias da indústria petroleira.
A outra alternativa seria bombear a receita petroleira diretamente para fora do país, vendendo o óleo bruto.
E renunciar assim aos múltiplos de bilhões de dólares de royalties que vão irrigar o fundo do pré-sal e com ele a educação pública das futuras gerações de crianças e jovens do Brasil.
Ou então vazar impulsos industrializantes para encomendas no exterior , sem expandir polos tecnológicos, sem engatar cadeias de equipamentos, nem elevar índices de nacionalização em benefício de empregos e receitas locais.
A paralisia atual da industrialização brasileira é um problema real que afeta todo o tecido econômico.
Asfixiada durante três décadas pelo câmbio valorizado e pela concorrência chinesa, a indústria brasileira de transformação perdeu elos importante, em diferentes cadeias de fornecimento de insumos e implementos.
A atrofia é progressiva.
O PIB cresceu em média 2,8% entre 1980 e 2010; a indústria da transformação cresceu apenas 1,6%, em média. Sua fatia nas exportações recuou de 53%, entre 2001-2005, para 47%, entre 2006-2010 .
O mais preocupante é o recheio disso.
Linhas e fábricas inteiras foram fechadas. Clientes passaram a se abastecer no exterior. Fornecedores se transformaram em importadores.
Empregos industriais foram eliminados; o padrão salarial do país foi afetado, para pior.
É possível interromper essa sangria, com juros subsidiados, incentivos, desonerações, protecionismo e ajuste do câmbio, como está sendo feito pelo governo.
Mas é muito difícil reverter buracos consolidados.
O dinamismo que se perdeu teria que ser substituído por um gigantesco esforço de inovação e redesenho fabril, a um custo que um país em desenvolvimento dificilmente poderia arcar.
Exceto se tivesse em seu horizonte a exploração centralizada e soberana, e o refino correspondente, das maiores jazidas de petróleo descobertas no século 21.
Esse trunfo avaliza a possibilidade de se colocar a reindustrialização como uma resposta política do Estado brasileiro à crise mundial.
Nada disso pode ser feito sem a Petrobrás.
Tirá-la do campo em que se decide o futuro do Brasil: esse é o jogo pesado que está em curso no país.
_________________
Leia também...
Como Marco Civil, que pode ser votado finalmente hoje, evita privatização e elitização da rede. Qual a tática das grandes empresas para bombardear lei. Por Marcos Ianoni, no Jornal do Brasil (Outras Mídias)
_______________________________________________________________________________

Facebookada



Gilvan Freitas e Marisa Vasques compartilharam um link.
Apesar da perda de valor, empresa cresceu 300% de 2003 até 2013. Manchetes não mostraram crescimento. Via Plantão Brasil A Petrobras teve...
LIMPINHOECHEIROSO.COM


Alice Pagotto compartilhou a foto de Flávio Luiz Sartori.
·
_______________________________________________________________________

Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons
__________________________________________________

PressAA


.

Nenhum comentário: