domingo, 22 de julho de 2012

UMA CIDADE SEM BIBLIOTECA

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Na Favela do Bode, em Recife, no meio do lamaçal de um mangue, brotou, como uma flor, uma biblioteca. Funciona dentro de uma palafita. Nem sequer tem estantes, os livros estão amontoados no chão, mas mesmo assim essa biblioteca-severina é bela, porque "corrompe com sangue novo a anemia". Lá, as crianças estão lendo e se encontrando. Mas não é só lá.

No Rio de Janeiro, na Favela de Manguinhos, floresce uma biblioteca-parque, com cinema, teatro, espaço de lazer e muito livro. Ela também "infecciona a miséria com vida nova e sadia". Na Favela da Rocinha, na Zona Sul, acaba de desabrochar outra biblioteca, em um prédio vistoso, inaugurado recentemente pela ministra da Cultura, Ana de Hollanda.
- As bibliotecas, comunitárias ou públicas, ajudam a combater a violência e o medo, elas trazem esperança - discursou a ministra, mencionando a experiência exitosa da Colômbia, cujo modelo inspirou a biblioteca-parque. Essas novas bibliotecas, além de livros, vídeos e internet, constituem um espaço de convivência, onde as pessoas se reúnem, se encontram, trocam informações e ampliam a dimensão do ato de ler,
Em todos os lugares do planeta, estão abrindo bibliotecas, umas mais severinas que outras, mas todas elas janelas de esperança. Menos no Amazonas, onde a Biblioteca Pública do Estado, que devia dar o exemplo, permanece fechada há mais de cinco anos. São quase 2 mil dias de desesperança, sem biblioteca. Imaginem se o principal banco de uma cidade ficasse fechado por cinco anos! Ou a catedral! Ou o shopping! Imaginem uma cidade com shopping, banco ou igreja fechados!
Agonia da biblioteca
Foi o que aconteceu em Manaus com a principal biblioteca, centenária, que nasceu antes do Oscar Niemeyer, em 1870, como sala de leitura de um liceu. Ela mudou depois pra igreja Matriz e, de lá, para um colégio, de onde saiu para uma casa alugada, até ser extinta em 1897. Ressurgiu num prédio próprio de estilo neoclássico, inaugurado em 1910, na Rua Barroso, com escadas e colunas importadas da Escócia, mármore, lustres de cristal e telhas da Inglaterra. Enfrentou um incêndio em 1945, perdeu todo seu acervo de 60 mil livros e renasceu das cinzas em 1947.
Resistiu a tudo: incêndio, inundação, saqueio, mudança de sede, corrupção e até mesmo aos 16 anos de Robério Braga como Secretário de Cultura, responsável pela vergonha que passei no IV Congresso Latino-Americano de Biblioteconomia e Documentação, realizado em 2008, em São Paulo, no Memorial da América Latina. É que na conferência que lá ministrei, me apresentei como amazonense. Veio, então, alguém com dados à mão, mostrando que no Amazonas, campeão da desesperança, 50% dos municípios não possuem biblioteca, sequer uma prateleira ou, pelo menos, livros amontoados numa palafita como na Favela do Bode. 
O secretário de Cultura está se lixando para as bibliotecas. Num artigo publicado aqui, em 2008, intitulado 'Berinho e o flautista', informamos que naquele ano, a Secretaria de Cultura estava pagando 604,6 mil para hospedagens em hotéis e barcos de luxo aos convidados oficiais do Festival de Parintins, entre os quais algumas "celebridades" ex-BBB. Quem paga, na realidade, é o pobre contribuinte do Amazonas, que não tem uma palafita com livros dentro. Naquela ocasião, perguntamos: quantas bibliotecas poderiam ser construídas com essa grana?
De lá para cá, quase nada mudou. Agora, Berinho, o eterno secretário de Cultura, está tirando o loló da seringa. Disse que não pode tomar nenhuma providência. Denunciou seu colega da Secretaria de Infraestrutura como o responsável pelo não funcionamento da biblioteca. Ou seja, no Amazonas, biblioteca não é atribuição da Secretaria de Cultura, mas de engenheiros e construtoras.
A agonia da biblioteca pública vem se arrastando durante a gestão do Berinho na Secretaria de Cultura com diferentes governadores. Num artigo publicado em 1996, intitulado A Agonia da Biblioteca, que mereceu comentários do saudoso senador Jefferson Peres, dizíamos que era preciso deixar de lado divergências políticas, partidárias, ideológicas e pessoais e unir esforços para salvar a biblioteca. Fiel a esse compromisso, eu já estava disposto a fazer a minha parte e me prostrar, de joelhos, diante do governador Omar Aziz, que nem a Nina fez com a Carminha, implorando pela abertura. Fui salvo dessa humilhação pela Maré Amarela.
(Clique na imagem para vê-la ampliada)
Abre Biblioteca
Maré Amarela ou Marea Amarilla nascida em Madrid inspirou o movimento "Abre Biblioteca", criado em maio do corrente ano, no Amazonas, que na última segunda-feira organizou uma passeata, com um abraço simbólico ao prédio da Rua Barroso, patrimônio estadual desde 1988. Os manifestantes já recolheram mais de 3.500 assinaturas num documento que será entregue ao governador do Amazonas, Omar Aziz. A Maré Amarela luta, na Espanha, contra corte de recursos para a manutenção dos espaços culturais.
Mas no Amazonas, os recursos existem e estão previstos no orçamento, acontece que não são usados de forma correta. A reforma, que devia durar apenas seis meses, recebeu aditivos ao contrato e se prolongou por mais de cinco anos, parece até a igreja da Praça XIV, cujo segredo era permanecer inconclusa para continuar arrecadando donativos dos fiéis. É suspeita uma reforma que custa mais, em tempo e dinheiro, do que custou a própria construção do prédio. O mais grave é que ainda não foi concluída.
Por isso, o "Abre Biblioteca" exige uma data para a reabertura da biblioteca. Este movimento surgiu com a união de quatro amigos, segundo a bibliotecária Soraia Magalhães, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela UFAM. Ela, que edita o Blog Caçadores de Bibliotecas, conta a reação ao fechamento da Biblioteca Estadual:
- Estudei e trabalhei por anos nela, para mim tem um valor sentimental e quero que outras crianças tenham a oportunidade que tive de obter conhecimento gratuitamente. Nós decidimos que precisávamos fazer alguma coisa e iniciamos a campanha  com uma petição, que hoje já está circulando na internet, além da adesão de muitas pessoas no próprio facebook. O grupo Abre Biblioteca já conta com 3.674 pessoas que aderiram à causa.
A Biblioteca Estadual faz muita falta porque as escolas de Manaus não estão aparelhadas para atender aos alunos e ela acaba cumprindo também a função de biblioteca escolar, além de referencia para os pesquisadores que buscam consultar textos raros.
Luiz Milanesi, em seu livro "Ordenar para Desordenar", com o qual trabalho no curso de biblioteconomia da UNIRIO, afirma que qualquer biblioteca abriga sempre um conjunto de informações diversas e conflitantes e que aqui reside o seu aspecto democrático. Ao lado de um livro em defesa do capitalismo, por exemplo, é possível encontrar outro em defesa do sistema.  
Uma cidade sem biblioteca é um corpo sem alma, é um cadáver. Abre a Biblioteca, Omar!
Olhando a foto do abraço dado por mais de 100 manifestantes à Biblioteca Pública, o medo se dilui, a esperança cresce. Não é só uma biblioteca aberta que acende a luz no final do túnel: uma biblioteca, mesmo fechada, se abraçada, é como uma flor nascendo no mangue.  
P.S. - Para ver os artigos citados:
1) Berinho e o Flautista (29/06/2008) - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=79
2) A agonia da biblioteca (19/04/1996) - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=408
3) Contra a leitura (16/11/2008) - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=57
4) Blog Caçadores de Biblioteca - http://cazadoresdebiblioteca.blogspot.com.br/
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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (UERJ), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
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Rio -  Uma piscina olímpica, no mínimo, foi o que bebi nos últimos 62 anos (completei 80 há 7 meses e bebo desde os 18). Para ficar só nas cervejas, sem falar nos vinhos e nos destilados: cachaça, underberg, bagaceira, grapa, tequila, steinhager, pisco, conhaque, rum, aquavit, gim, sakê, até absinto. E mil coquetéis, do Hi-Fi ao dry-martini. Durante esse tempo todo, consumi no mínimo uns 5 litros por dia da loura gelada, façam as contas. Quem persevera sempre alcança: fui fazer um checape de rotina e deu cirrose em estágio pra lá de avançado e vários cânceres ( tem plural?), no que os antigos boêmios chamavam carinhosamente de figueiredo.

Em linguagem técnica, eu estava com CHC (Carcinoma Hépato Celular). O médico do Chico Caruso aconselhou procurar o maior oncologista (especializado em câncer), com consultório em São Paulo. Ele foi sucinto. “Precisa operar imediatamente”. Levei um susto. Cheguei aos 80 sem um furo no meu corpo, exceto os que já nasci com eles. “E se não quiser operar, doutor ?” “Você vai ter entre 2 a 20 dias de vida, na melhor das hipóteses”. Achei um exagero: “Mas não sinto nada, nenhuma dor”. “ Você é um caso raro. Qualquer um no seu estado teria náuseas, dor e febre”. “Depois da operação posso voltar a beber?”

Como o corvo de Edgar Allan Poe, respondeu: “Nunca mais”. “Então deixa pra lá, o que tinha que fazer fiz e o que não fiz não farei mais”. O resto da vida vendo tevê, lendo jornal ou jogando biriba no Posto 6 com outros velhinhos. Mas não houve jeito de escapar. Célia me internou no Hospital Sírio-Libanês, o mesmo onde estiveram Lula e a Presidenta.

Antes almoçamos no Gero com dry-martinis, vinho e underberg. Pelo menos minha presumida última refeição foi bem melhor que a de Cristo. Quando chegamos, havia uma multidão de fotógrafos e cinegrafistas. “Como descobriram? Só os médicos, Célia e eu sabíamos”. Ledo Ivo engano (licença, Sérgio Porto). Estavam na porta do hospital para cobrir a saída de Pedro, filho do cantor sertanejo Leonardo. No meu tempo era cantor caipira, com chapéu de palha e botina. Agora é chapéu texano, muita joia e botas de grife.
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Ilustração - AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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PressAA
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