quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O CARNAVAL DA SAPUCAÍ ESTÁ PERDENDO O BRILHO NATURAL

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Lou Micaldas*

Como assim? Assim mesmo. Se as luxuosas fantasias, incrustadas de pedras preciosas, e os carros alegóricos gigantescos e cada vez maiores, mais suntuosos, estão cobertos de brilho. Falta o verdadeiro brilho dos sambistas, das passistas com suas gingas características dos negros e das mulatas tão cantadas nas marchinhas e nos sambas inesquecíveis.

Desde criança, sempre vibrei com os desfiles que passavam na Avenida Presidente Vargas. Ainda peguei o tempo das desconfortáveis arquibancadas de madeira. Havia a vibração de cantar todos os sambas, que sabíamos de cor, de torcer pela melhor escola, como nos times de futebol, mostrando o bom-humor e o sangue quente do carioca. Os mestres-salas e as porta-bandeiras exibiam suas coreografias exclusivas, uma das poucas criações que se manteve até hoje.

Os desfiles eram menos organizados e, por isto, mais livres. Havia uma integração natural entre as classes sociais. Podíamos entrar atrás das escolas nos final de cada desfile. Hoje é proibido. Tomara que os blocos voltem com força pra ficar. E os que ainda desfilam não percam a sua originalidade. Só assim podemos voltar a brincar carnaval, porque atualmente somos meros assistentes, pagando caro para pouquíssimo conforto.

Com a introdução da comercialização, da competição financeira, política e dos meios de comunicação, o desfile virou show de luxo que apresentam comissões de frente com coreografias ensaiadas, parecendo um grande espetáculo da Broadway.

Quem não gosta de luxo? É muito lindo, mas os integrantes das favelas perderam espaços preciosos pra pessoas que passaram a comprar fantasias e entrar no desfile oficial. A grana recolhida cresceu e nos anos seguintes começaram a surgir “as superescolas de sambas SA, superalegorias...”, geralmente mantidas por empresários do grande negócio que se tornou o desfile das escolas de samba, como cantou a escola Império Serrano no enredo: Bum bum paticumbum prugurundum, em 1982 de Aluízio Machado.

As rainhas das baterias não são mais aquelas mulheres pertencentes às favelas e às comunidades. Estão sendo obrigadas a cederem seus lugares na avenida, nas grandes publicações e, principalmente, nas telas da TV para as celebridades televisivas que vemos quase que diariamente.

Por mais que tenham tentado aprender em academias de danças ou com “personal dancer”, não substituem, em qualidade, o genuíno gingado das sambistas que perderam para atrizes e apresentadoras de TVs o título e a coroa de rainhas que lhes são de direito.

Quase tudo é comprado. A começar pela cobertura do Carnaval ou barganhado, seguindo a filosofia da roubalheira das nossas autoridades em todas as esferas dos governos do Brasil, "do meu Brasil brasileiro, meu mulato isoneiro... terra de samba e pandeiro..." (Aquarela do Brasil de Ary Barroso – 1939)

Quanto maiores as escolas, mais destaques em cima de pedestais. Mal conseguem dançar, equilibrando o peso dos adereços nas cabeças, em espaço mínimo, onde são obrigados a se segurarem em um apoio, que os impedem de mover os braços na cadência musical. Mesmo pelados, é impossível mostrar a leveza do samba no pé.

Tenho saudades da cadência do samba no pé, da malemolência livre da técnica das coreografias ensaiadas, vulgarizando nossa vocação ao improviso pra macaquear os musicais “certinhos” da Brodway.

Tenho saudades das princesas negras do carnaval, como a Pinah, que encantavam os príncipes da vida real, da Gigi da Mangueira, do Joãozinho trinta, verdadeiro artista que inovou com o enredo “ratos e urubus larguem a minha fantasia”, no qual o último carro, que foi proibido, entrou na avenida, coberto por sacos pretos, com a frase, “mesmo proibido, rogai por nós.”
Faço minhas a palavra dele.


*Lou Micaldas é professora, formada pelo Instituto de Educação, e jornalista, criada e formada no Jornal do Brasil; administra o site Velhos Amigos e colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.

http://www.velhosamigos.com.br/



Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA

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