sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

DESMITIFICANDO LULA - 7

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Raul Longo (*)

Neste comentário final reuni as demais considerações de Príamo sobre o Presidente Lula, porque percebo que eu e meu amigo chegamos a um impasse.

Interessante lembrar já termos passado por este mesmo impasse há muitos anos, quando dirigíamos departamentos de uma mesma instituição pública de comunicação. Trabalhava conosco um rapaz com o qual Príamo tinha mais antigo relacionamento, e certa noite, por um momento de ausência, esse rapaz quase provoca um grande acidente. Na verdade o acidente ocorreu, mas felizmente nenhuma das pessoas nele envolvidas foi afetada.

Como estava ao lado do rapaz, pude testemunhar as razões que produziram a colisão e estranhei que, embora imediatamente se reconhecesse culpado, não pôde perceber o que o levara ao ato imprevidente, conferindo-o a causas injustificáveis. Não foi exatamente uma imprevidência, e, sim, um momento de inconsciência.

No dia seguinte relatei todo o episódio que por pouco não teve conseqüências drásticas para cada um de nós e, preocupado com a probabilidade de futuras ocorrências sem a mesma sorte, recomendei que Príamo o avisasse de seu problema. Concordou, mas considerando a dificuldade de convencê-lo, lembrando que assim como o bêbado nunca aceita a evidência de sua bebedeira, o louco jamais se reconhece como louco.

Claro que era apenas uma força de expressão, bastante exagerada. Sabíamos que nosso amigo não estava louco, apenas portava um problema neurológico. Mas, se não tinha percepção nem consciência da manifestação desse problema, como convencê-lo?

Pois aquele mesmo impasse se reproduz nesta contradição que agora Príamo aponta em Lula:

f) Devemos reconhecer a sua grande capacidade de comunicação, o que acabou criando-lhe, na realidade, uma visão distorcida porque passou a considerar-se o rei da cocada.


Entende-se a expressão “rei da cocada” por alguém que acredite ser o que, na verdade, não é. Por exemplo: se eu afirmar que Dona Zilda Arns tornou-se a rainha da cocada pelo sucesso de seu trabalho na Pastoral da Criança, a estarei acusando de pretensiosa, e a primeira impressão de quem ler ou ouvir tal afirmação é a de que conheci pessoalmente Dona Zilda. Afinal, publicamente, ela nunca assumiu qualquer postura que me autorizasse tal julgamento.

Em busca de alternativas que justificassem tão peremptória constatação, talvez se imaginasse que eu não goste de crianças. Ou pelo menos não das crianças pobres e desnutridas, como as que foram defendidas pela Dona Zilda.

De fato, preferiria que todas as crianças fossem suficientemente nutridas e que o governo Lula não houvesse resgatado apenas 12 milhões de famílias da miséria, mas sim que tivesse erradicado de vez a pobreza do país. Infelizmente, segundo os analistas internacionais, isso só deverá ocorrer em 2015 e se o próximo governo der continuidade às políticas sociais do atual.

Mas enquanto aguardamos por mais 5 anos para solucionar esse problema crônico que acompanha o país desde seu descobrimento, podemos continuar tentando encontrar a verdadeira razão para que eu julgue Dona Zilda a rainha da cocada. E não a encontraremos enquanto eu não assumir que esse meu julgamento provém de um preconceito que alimento contra, se não às crianças, talvez, às mulheres. Ou, quem sabe, à Igreja Católica a que Dona Zilda e a Pastoral eram ligadas.

Se eu quiser me livrar desse preconceito precisarei, primeiro, entender o que o provoca. Se eu for daqueles convencidos de que o lugar da mulher é na pia e no fogão, é aí que terei de trabalhar meu condicionamento.

Já no histórico da Igreja Católica, há muitas motivações para as minhas aversões pela instituição. No entanto, tenho de avaliar ser formada por diversas e diferentes correntes diametralmente opostas. Se me esforçar um pouco, poderei concluir que as mesmas razões que tornam muitas de suas faces execráveis à minha compreensão fazem com que me alie a outras da própria Igreja.

Através desse processo racional, poderei me livrar de meu preconceito contra Dona Zilda Arns, mas a grande dificuldade está em reconhecer que sou preconceituoso, exatamente como acontece com o bêbado e o louco. E o que mais dificulta é que, embora os preconceitos se assemelhem às delimitações de territórios de animais, ele não é instintivo nem natural. Ninguém nasce preconceituoso.

Será o preconceito fruto da observação sincera e do raciocínio? Desde o primórdio das civilizações, aqueles que mais atentamente observaram e raciocinaram sobre o comportamento humano são, ainda hoje, reconhecidos como os que mais combateram os preconceitos humanos.

No entanto, infelizmente, o ser humano continua sendo mais suscetível à inseminação, à implantação do preconceito, do que ao seu próprio raciocínio e mesmo à percepção da própria história, ou, até, de experiências pessoais.

Uma das razões de minhas admirações por Príamo foi pelo relato que me fez de um período muito difícil de sua vida, quando toda a cidade fronteiriça onde nascera passou a julgá-lo pela desonestidade de alguém em quem ele confiou e avalizou. Nos contares de Príamo sobre aqueles maus momentos, a passagem torna-se mais dramática quando outra pessoa, aproveitando-se da ansiedade em sanar a dívida que depunha contra sua imagem perante a comunidade, o convida para duro trabalho nos interiores do país vizinho.

Trabalhou solitário em meio à selva e, só quando o resgataram e ao que ele extraíra, percebe-se perseguido pela polícia até escaparem pela fronteira. Somente na fuga é que Príamo se dá conta de que o envolveram em um ato ilegal.

A história de Príamo termina bem quando, transferindo-se para um centro maior, destacam-se suas qualidades profissionais e de caráter. Há muitos anos retornou ao seu estado onde novamente tornou-se reconhecido e respeitado pelos próprios moralistas que então o condenavam. No entanto, hoje Príamo aponta como contradição do Presidente Lula:

g) Essa questão da ética, em que ele (Lula) se considera o mais ético, é outra distorção, fruto da empolgação e da falta de uma assessoria sincera para demonstrar-lhe o absurdo dessa e de outras manifestações dele. Ele precisa de alguém, com autoridade na sua assessoria mais íntima para chamar-lhe a atenção para determinados excessos. Neste mundo atual, se formos considerar a ética dentro da sua conceituação pura, vamos constatar que ninguém é ético, nem eu, nem você, nem ninguém.


De fato houve um momento terrível em nossa história política, em que a total ausência de ética dos governantes era um escândalo internacional. Basta lembrar que em 8 anos de governo FHC ocorreram apenas 28 operações da polícia federal, enquanto só no primeiro mandato do governo Lula se realizou mais de 500.

Ao acusar este governo de falto no empenho em investigações do que o acusaram - apesar das inúmeras CPIs e estritas atuações da PF, do MP, do STJ e demais órgãos federais - FHC foi calado por um jornalista da BBC. O ex-presidente não imaginava que até em Londres tornara-se famoso seu Procurador da República, Geraldo Brindeiro; mas o entrevistador questionou sua autoridade para qualquer denúncia, lembrando o termo “Engavetador Geral” e os 400 processos contra seu governo que nunca foram sequer avaliados.

Também é verdade que os integrantes do partido do Lula ou de partidos aliados muitas vezes se enalteceram como únicos sem envolvimentos nas amiúdes ocorrências de escândalos de corrupção em quaisquer das esferas políticas: municipais, estaduais ou federais. Mas quando, aproveitando-se dos erros de alguns, a mídia supervalorizou e especulou criando muitas ilações infundadas, o próprio Presidente Lula foi o primeiro a publicamente assumir como erro de seu partido e aliados o se apontarem pela ética, afirmando não ser uma qualidade, e sim uma conseqüência imposta a quem exerça a vida pública.

Portanto, Príamo que me desculpe, mas não prestou atenção à missa e está puxando reza atrasada. Não se fez sequer necessária essa “assessoria sincera” que diz faltar. E se houve alguma “empolgação”, “absurdos” e “excessos” que mais uma vez afirma sem especificar nem exemplificar, poderei reportar em detalhes muitos dos cometidos pelas lideranças do PSDB e do DEM, reconhecidos como corruptos e até envolvidos em crimes de outras ordens. Sem contar os discursos de falsos moralistas da mídia, pregando uma ética pela qual jamais se pautaram. Muito pelo contrário e em histórias que conheço de sobejo!

Chego a ter a impressão que não seja Príamo quem tenha escrito essa alínea “g”, mas, sim, alguém que não me conheça e se considere capaz de me enganar invertendo fatos que ocorreram há apenas 3 ou 4 anos. Se Príamo já se esqueceu quem sou, espero que ao menos recorde o que aqui reporto de nossas conversas e de seus relatos há 30 anos atrás, pois a única forma de se vencer nossos preconceitos é observando-nos através de nossa própria história.

Ninguém tem preconceito contra cavalos ou aviões. Mas por medo de cavalos ou aviões muita gente não sai do lugar onde sempre esteve. O preconceito humano sempre é contra seus semelhantes, mas também é filho do medo.

Talvez não seja a insegurança da inconsciência da bebedeira ou da loucura que dificulte o reconhecimento daqueles a quem afeta, mas não é preciso ser psicólogo para reconhecer o medo e a insegurança no homem que não consegue aceitar sua complementação na mulher. E onde se incrusta na homofobia a evidente insegurança e incerteza na própria sexualidade.

Jean Paul Sartre desvendou, nos temores e inseguranças do branco, a origem do racismo contra os negros. E a pergunta é: quando alguma vez um indivíduo ou grupo de preconceituosos já expressou segurança, serenidade, convincente certeza do que afirma, conseqüência no que pensa, real confiança em suas atitudes? Racionalidade? Realismo? Saudável alegria, ao menos?

Os nazistas? A Klu-Klux-Klan? Os fundamentalistas islâmicos? Os sionistas? Skinheads?

Mas não é preciso ir tão longe. Na tentativa de alguma percepção da realidade, encontramos em Príamo infundado preconceito a lhe impedir a percepção da real paisagem além das inexpugnáveis muralhas de sua Tróia:

h) A sua fala, na presença da Ângela Merkel, demonstra uma coragem que, até hoje, ninguém, nenhum presidente teve, ele foi muito claro, foi direto ao ponto, sem tergiversar, sem dar volta, falando com todas as letras. Eu me senti gratificado ao assistir esse momento, me deu uma alegria muito grande, foi um momento de estadista, que, no meu entender, ele quer ser e poderá chegar a isso; mas, volto a dizer, ele precisa ter um assessor que lhe exponha claramente as contradições do seu comportamento.

No entender de Príamo, Lula quer ser um estadista, mas lhe falta assessoria. Talvez imagine um professor de inglês ou de quaisquer dos tantos idiomas em que nosso infeliz ex-presidente era tão bem versado, embora nunca tenham lhe concedido o prêmio de Estadista do Ano como o que foi conferido a Lula em 2006, na Assembléia Geral da ONU.

No entender de Príamo, Lula se considera do rei da cocada. Já um hóspede argentino estranha que aqui no Brasil tanto se valorize os erros de português do Lula - como os notados pelos gramáticos no português do FHC ao comentar os desconhecimentos lingüísticos de Lula -; embora, lá na Argentina, se considere que Lula se expresse muito bem em espanhol quando entrevistado pela imprensa, ainda que em reuniões oficiais faça questão de se pronunciar em português.

No entender de Príamo, Lula poderá chegar a ser um estadista. Para a UNESCO, quando lhe concedeu o Prêmio Félix Houephouët-Boigny, Lula já é um estadista da Paz para o mundo.

Lula nunca precisou de assessores que o ensinassem a ser sincero. Lembro-me bem ter sido o primeiro a quebrar a formalidade do “Sr. Governador”, “Nobre Deputado”, “Caro Candidato” e que-tais. Sempre tratou a todos por você, sem ofensas nem grosseiras, como as tantas que, até hoje, amiúde lhe dirigem, inclusive pela imprensa. Mas Príamo só notou a sinceridade com que Lula invariavelmente utilizou com todos os governantes de qualquer país do mundo, quando o Presidente se dirigiu à Ângela Merkel.

Para Príamo falta a Lula um assessor que lhe aponte contradições de seu comportamento. No entanto, para o Le Monde, o El País, o Financial Time, diversas universidades e instituições européias e norte-americanas, para Lula ser uma grande personalidade internacional, talvez a mais reconhecida e agraciada em história da política mundial, não falta nada. Já o é.

O que falta para Príamo enxergar o que vê o resto do mundo? Por que ao longo de 7 capítulos tive de desmitificar as infundadas “contradições” percebidas por Príamo em Lula?

Será que já estaria programada para a próxima semana, talvez quando Príamo estiver lendo o que agora escrevo, a entrega do reconhecimento mundial ao Presidente Lula como Estadista Global em Davos, na Suíça, se ele realmente inchasse folhas de pagamento? Se permitisse gastos estratosféricos ou constituísse uma equipe de governo com competências desnecessárias e conflitantes, como convenceram a Príamo? Se despendesse perdulariamente verbas de apoio internacional ou perdoasse dívidas prejudicando seu próprio país?

Se apoiasse governos criminosos, antidemocráticos ou golpistas? Se interviesse em assuntos internos de outras nações, seria reconhecido como Estadista Global pelo Fórum de Davos?

Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico Mundial reconheceria que "O presidente Lula é um exemplo a ser seguido pela liderança global" se ele fosse um mero "rei da cocada"? Um dos "meu pai disse que tenho aquilo roxo"? Apenas mais um "homem que sabia falar javanês"?

Não sei se consegui assessorar Príamo com a sinceridade necessária para que possa ultrapassar seus preconceitos a respeito de Lula, mas espero que todos os que por ventura tenham acompanhado essa série possam chegar à conclusão de que o mito real da mídia não é Lula. Não é ele o rei da cocada.

Espero ter conseguido levantar o véu da mídia, para que os tantos Príamos que comigo se correspondem percebam que o verdadeiro mito criado pelos jornalistas e manipuladores de informações não é Hércules.

É sim o próprio Podarge, a quem a mídia faz acreditar-se Príamo, que por seus preconceitos temeu a Hércules e acabou aceitando o presente de grego arquitetado por Ulisses, pondo a perder seu reinado da bela e memorável Tróia.



Raul Longo
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 2886
Floripa/SC

(*) Jornalista, poeta e escritor, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Para quem não leu as postagens anteriores da série DESMITIFICANDO LULA:

1 - http://assazatroz.blogspot.com/2009/12/desmitificando-lula-i.html

2 - http://assazatroz.blogspot.com/2009/12/desmitificando-lula-2_20.html

3 - http://assazatroz.blogspot.com/2009/12/desmitificando-lula-3.html

4 - http://assazatroz.blogspot.com/2010/01/desmitificando-lula-4.html

5 - http://assazatroz.blogspot.com/2010/01/desmitificando-lula-5.html

6 - http://assazatroz.blogspot.com/2010/01/desmitificando-lula-6.html


Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA

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