domingo, 7 de junho de 2009

Promessas

.
Existem pessoas que não gostam dos seus próprios nomes. Alguns casos são até justificáveis, como, por exemplo, o dos filhos daquele farmacêutico baiano: Antipirina, Exalgina, Fenacetina e o jovem Piramidon, que, provavelmente, devem atender pelos apelidos de "Ina", "Gina", "Tina" e "Don". No entanto há casos em que as aversões aos nomes não se justificam. Tive um colega de trabalho que só assinava "Éthel", assim, com "th", e fazia questão da pronúncia paroxítona. Assumidamente não gostava do seu nome de batismo: Etelvino.


Mulher prometendo ao marido que nunca mais o trairá -->
*
Outro dia eu estava na fila de um caixa de banco e acompanhei o bate-papo de duas senhoras à minha frente. Uma delas, que já havia se identificado (professora, pernambucana, morando no Rio de Janeiro há mais de 40 anos), explicava à outra a razão do seu nome.

— Minha mãe podia ter-se apegado a qualquer outro santo, mas escolheu mesmo foi São Severino do Ramo e prometeu que, se aquele filho que ela trazia na barriga nascesse em perfeitas condições de saúde, ela ia batizá-lo com o seu santo nome. Nasci. E, como eu não tinha o que reclamar do meu estado de saúde, minha mãe cumpriu a promessa, me tascou esse "Severina". Mas ninguém nunca me chamou pelo nome, desde criança só me chamam de "Lina". Alguma brasileira pode dizer, com toda sinceridade, que gostaria de se chamar Severina? Acho que não. Mas promessa é promessa, e quem não cumpre promessa é político ou caloteiro. Isso quando o indivíduo não é as duas coisas ao mesmo tempo. Mas com minha mãe não tinha disso não! Aprendi com ela: ajoelhou, tem que rezar.

— Lá em casa também sempre foi assim...

— Pois é! Nós somos do tempo em que as pessoas tinham palavra! Agora me responda: você já pensou se alguém faz uma promessa dessas a São Bartolomeu e nasce uma menina? Como é que fica, hein? Só pode ser Bartolominha. Se a gente quisesse seguir a norma que faz de "judeu" "judia", aí dava até pra ser Bartolomia. De um jeito ou de outro, ia ficar esquisito, não é mesmo? Ainda bem que hoje em dia já se pode saber o sexo da criança antes do nascimento. Naquele tempo não tinha essa de ultrassonografia, não! As pessoas até faziam umas simpatias pra saber o sexo da criança na barriga da mãe. Você conhece alguma?

— Conheço sim...

— Vou lhe ensinar umas. Essa aqui, por exemplo, é infalível! Você bota um quiabo pra ferver, se ele se abrir depois da fervura, aí num dá outra, é menina; mas, se ficar fechadinho, sem nenhuma rachadura, pode apostar que é menino. Tem outra muito boa, é tiro e queda. Você dá um talho num coração de galinha e bota pra cozinhar. Se o talho se abrir, vai nascer uma menina; mas, se ficar fechado, nasce um menino.

— Ah, entendi, sempre que...

— Isso mesmo! Tem tudo a ver com a mulher, né? Conheço muitas simpatias! Por exemplo, você manda a gestante ficar em pé, encostada numa parede. Ela fica lá, paradinha. Aí você pede pra ela andar. Se o primeiro passo for com o pé direito, pode ficar certa de que vai nascer um menino. Claro que, se for com o esquerdo, vem menina por aí.

— Interessante!

— Mas, como eu estava falando, no Nordeste tem muito dessa coisa de se fazer promessa a santo. Promessa pra tudo: pra lavoura não se perder com a seca, pra sarar de doença crônica, pra se casar, pra pagar dívida... e também pra receber; pra fazer uma boa viagem, pra ganhar eleição... Além de prometer pros eleitores, os candidatos prometem também pros santos! Lá as pessoas fazem promessa pro marido ou pra mulher voltar; pra conseguir a casa própria, o carro; pra passar de ano na escola, no vestibular; pra arranjar emprego... Essa, então, acho que é a promessa que mais se faz atualmente no Nordeste. Aliás, não só no Nordeste, mas acredito que em todo o Brasil. Promessa pra arranjar emprego e promessa pro time ganhar devem ser as mais prometidas aos santos hoje em dia.

— É verdade...

— Ah! tem até uma história interessante sobre uma dessas promessas pro time ganhar. Contam que um maluco lá no Recife, um sujeito amalucado que morava lá pras bandas de Casa Amarela, prometeu pra São Benedito... Deu até no jornal, ele explicando que escolheu São Benedito porque, tendo como tem muito negro jogando bola, ele achava que São Benedito tinha obrigação de ser padroeiro do futebol. Pois bem, faz muitos anos isso, o camarada prometeu que, se o seu time fosse campeão, ele ia comer uma bola de couro, igual as que eram usadas nos jogos, todinha, ajoelhado em frente ao altar do santo. O time venceu o campeonato. Então, ele mandou a mulher cozinhar uma bola de couro. Ela cozinhou até ficar no ponto. Gastou um botijão de gás, mas cozinhou. O maluco levou aquela coisa pra igreja, numa bandeja. Aí, faca e garfo na mão, traçou aquele troço, que podia ser chamado de qualquer coisa, menos de comida.

— Credo!

— Conheço gente que fez promessa pra outra pessoa pagar. Assim é fácil, né?! Já me contaram uma história dessas. Uma mulher que morava em Água Fria prometeu a Santa Luzia que, se a filha sarasse de um certo problema na vista, a menina ia passar um mês indo todo dia pro Centro do Recife pra ajudar os cegos a atravessar a rua. É, minha filha!, porque, naquela época, no Centro do Recife, era assim de cego!, sabia? Pois bem, a menina ficou curada, mas foi difícil fazer ela cumprir a promessa.

— Imagino!

— Pois é, veja se tem cabimento: você acha que uma garota de treze anos, na flor da idade, né?, toda vaidosa como são as meninas nessa idade, ia querer ficar no centro da cidade ajudando cego a atravessar a rua?! Ah! tenha paciência! Detinha... esse era o apelido da menina, o nome era Bernadete, tenho certeza de que era em homenagem à santa. Promessa, claro! Pois bem, a Detinha se recusou a cumprir a promessa da mãe. Quis trocar por outras penitências, mas a mãe não aceitou. Foram consultar o padre, pedir a opinião dele. Dizem que o vigário falou: "A Igreja não obriga que as pessoas cumpram as promessas feitas aos santos em momentos de angústia, de desespero. Se não puder cumprir, santo nenhum vai condenar o fiel por isso". Mas a mãe continuou achando que quem não cumpre promessa a santo não é fiel coisa nenhuma! E também ela não queria ter na família uma pessoa que não paga nem promessa a santo, pois todo mundo sabe que uma pessoa assim é muito mal afamada. O jeito foi ela mesma, a mãe, pagar a promessa. Passou um mês carregando cego de um lado pro outro da Avenida Guararapes.

— Coitada!

— Mas se você pensa que a coisa ficou nisso, se enganou. Dizem que algumas vezes, quando ela estava parada no meio-fio da calçada, esperando o sinal abrir, com um ceguinho ali do lado segurando no seu ombro, aí, de vez em quando, acontecia de um passante dar uma moedinha pra ela. Quer dizer, pro cego, né? Nas primeiras ela estranhou, não quis receber e, por isso mesmo, às vezes ouvia a caridosa alma chamar ela de "mal agradecida" e ainda dizer: "Tá achando pouco? Vá trabalhar pra sustentar seu marido". Depois ela foi se acostumando, foi recebendo as esmolas, até que passou a gostar daquilo e resolveu ganhar a vida com um cego de mentira, no Centro do Recife. Dizem! Eu mesma nunca vi. Quer dizer, pode até ser que eu tenha visto, porque ela podia ser qualquer uma daquelas mulheres que serviam de guia de cego lá na Guararapes. Mas aí, no meio de tantas, a gente não podia dizer qual era a verdadeira ou qual era a que tava fingindo, podia?

— Não...

Discreto, eu já estava fazendo algumas anotações, quando, infelizmente, chegou sua vez de ser atendida. Ela entregou ao caixa uma papeleta acompanhada de sua carteira de identidade. Antes de o rapaz falar qualquer coisa, foi logo adiantando: "Minha mãe me colocou esse nome por causa de uma promessa que fez a São Severino do Ramo...". E arrematou: "Mas eu não sou porteira não!" (riu).


*

(Todos os textos publicados pelo ASSAZ ATROZ são de autoria de Fernando Soares Campos: sátiras, contos, fábulas, crônicas, paródias, artigos de opinião... Qualquer outro texto que acompanhar as postagens terá indicada a referida fonte. Autorizamos cópia, republicação e distribuição do conteúdo deste blog, desde que a fonte e a autoria sejam informadas onde ocorrerem as postagens. Cordialmente. Editor-ASSAZ-ATROZ-Chefe.)

*

Nenhum comentário: