quinta-feira, 4 de junho de 2009

Lembrei-me de...

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"A cada 15 anos o Brasil esquece os últimos 15 anos", Ivan Lessa(*)




Li, não sei onde nem quando, uma frase que não me lembro bem o que realmente enunciava. Na ânsia de lembrá-la, tenho sempre a nítida vaga impressão de que tratava dos meandros da mente, o raciocínio, ou, talvez, o sonho, a imaginação... O inconsciente?! É, isso mesmo... quer dizer, não tenho clara consciência disso, mas pode ser o inconsciente sim... Não, não, definitivamente, creio que não. Ah! cheguei, agora tenho defectiva absoluta certeza de que se referia a qualquer coisa sobre a memória. Isso, memória, quem sabe?!

Se a memória não me trai, li a tal frase num livro de auto-ajuda que discorria acerca de um método infalível de memorização. Memorização de textos. Memorização e, possivelmente, compreensão de textos. O título da obra poderia ser "Não esqueça: você tem uma memória", ou "Lembre-se de usar a memória". Contudo o mais adequado, sem dúvida, seria, talvez, "A memória ao alcance de todos", como prometiam quase todos os manuais de qualquer coisa, há não sei quantos anos.

Ilustrando a tal frase, havia uma inesquecível foto de incerto animal. Creio que o objetivo da ilustração era estabelecer uma exata relação meio indireta entre a mente humana e a daquela inolvidável criatura esquecida. O animal, lembro-me bem, não era um elefante, pois bem me lembro que o bicho não tinha penas, e ninguém esqueceria um elefante penudo. E, se não tinha penas, fica descartada a possibilidade de ser um jacaré-galinha, mesmo porque jacarés-galinha não existem.

(**)

Outro dia, tentei me lembrar do telefone de um amigo para quem eu ligava frequentemente. Nada. Deu branco. Lembrei-me da frase, quer dizer, não propriamente dela, mas de que ela existia. Fiz o que chamam de esforço mental: fechei os olhos, franzi o cenho e contraí o couro cabeludo. Mentalizei um número de telefone formado por zeros: 0000-0000. Imaginei os números sucedendo-se rápida e progressivamente, como nos caça-níqueis. Logo as roletas pararam de girar e formaram o número 9876-5432. Mesmo descrente da possibilidade de ter acertado, liguei. Vocês não vão acreditar, portanto não vou contar o que aconteceu.

(Ainda tentei fazer outras combinações com os quatro últimos algarismos, mas desisti quando me aproximava da milésima tentativa. Além do mais, o telefone que eu buscava não era da telefonia celular.)

Finalmente consegui me lembrar que a frase começava com a preposição "para". Fiquei um bom tempo repetindo: "Para... Para... Para...". Tentei: "Para lembrar-se de...", "Para não se esquecer de...", "Para ter boa memória...", "Para trazer à mente...". A todas acrescentei "...é preciso...", ou "...basta...". No entanto meu saite de busca não a localizou. Não houve jeito de chegar à frase que dizia: "Para lembrar-se de alguma coisa, basta seguir as seguintes instruções...". Mas aí é que está o problema, não consigo me lembrar das instruções, sei apenas que estavam relacionadas por ordem numérica, e a primeira começava pela letra "a". Já visitei diversos sebos em busca do livro no qual li a tal frase sobre memorização. Não encontrei nada que pudesse lembrá-la. Nem mesmo uma metáfrase. Plágio. Versão. Arremedo. Estou quase convicto de que, se ler novamente aquela sentença, não a esquecerei enquanto dela me lembrar.


P.S.: Se você estranhou alguma passagem do texto acima, isso indica que não lê jornal há muito tempo. Ou, como eu, não consegue memorizar, menos ainda compreender, certos textos jornalísticos.


(*) Faz tanto tempo que o Ivan Lessa disse isso que hoje, para relembrar a frase original, ele próprio precisa usar o Google, como nós fizemos.


(**) Entretanto eu nunca poderia esquecer o pêlo azulado e brilhante, se o animal tivesse asas avermelhadas e bacentas.

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(Todos os textos publicados pelo ASSAZ ATROZ são de autoria de Fernando Soares Campos: sátiras, contos, fábulas, crônicas, paródias, artigos de opinião... Qualquer outro texto que acompanhar as postagens terá indicada a referida fonte. Autorizamos cópia, republicação e distribuição do conteúdo deste blog, desde que a fonte e a autoria sejam informadas onde ocorrerem as postagens. Cordialmente. Editor-ASSAZ-ATROZ-Chefe.)

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