domingo, 21 de junho de 2009

Aldir Blanc: "Fausto e os Fogos"


.


Fausto e os Fogos

Aldir Blanc

Fausto Wolff é desses raríssimos brasileiros que merece o epitáfio: “Trabalhou até morrer”.

Já sofrendo de algumas seqüelas do quadro que o matou, as letras do teclado por vezes se embaralhavam, mas Fausto não desistia e ouvia-se sua voz a um quarteirão de distância:

- Cadê a porra do F?

Devo muito ao Fausto. Quando eu ainda estava na fase de leitura capa e espada, Charlie Chan, Sherlock Holmes e tal, um amigo do prédio onde morávamos, na Maia Lacerda, coração do Estácio, me convidou pra ouvir long-plays de jazz na cabine da Loja Palermo, que ficava no Largo da Carioca. De lá, fomos parar na Livraria Civilização Brasileira, rua Sete de Setembro. Não sabia que essa tarde mudaria minha vida. Na Palermo, comprei um LP do Oscar Peterson (aquele no qual a primeira faixa do lado A é uma sutilíssima interpretação de Corcovado), com a foto do trio no palco e me apaixonei pela cintilante bateria. E na Civilização, meio duro, acolhendo as dicas do amigo Gilberto, comprei “Tijolo de Segurança”, do Carlos Heitor Cony e o “Acrobata pede desculpas e cai”, do Fausto Wolff. Devorei os livros. Deu-se o rito de passagem e a meninice foi (quase) definitivamente embora, Sandokan, o Pimpinela Escarlate, O Gavião dos Mares e tantos outros heróis cederam lugar aos personagens dos romancistas brasileiros, na Coleção Vera Cruz, da mesma Civilização. Jamais quitaremos a dívida contraída com Ênio Silveira.

Depois conheci o Fausto no Pasquim. Ele carregava vários livros: “Parque Górki”, de Martin Cruz Smith, no original, e outros em francês e alemão. Jaguar estava sentado, de calça lee e botas, sobre uma pilha enorme de revistas estrangeiras, com uma tesoura na mão, acho que organizando uma espécie de arquivo. Minha amizade crescente com Fausto estreitou-se com a troca de opiniões quando escrevíamos na revista Bundas, no Pasquim 21 e no Caderno B. Fausto tinha sempre uma palavra de estímulo, mas não deixava passar cochilos e sabia bater duro.

Muitos contarão histórias fantásticas sobre o Fausto. Tenho a minha. Mari e eu fomos passar um fim de ano com ele e Mônica, em seu apê, na Avenida Atlântica. Orgulho-me de ter sido o primeiro a chegar e o último a sair. Revi o Claudius, o Pamplona, o Chico Paula Freitas, só gente fina. Na hora dos fogos, Fausto virou duas cadeiras para a janela e disse, peremptório:

- Senta aqui, porra!

Ficamos bebendo, sem dar muita bola para aquela meia hora de luzes e esporro. Quando o show pirotécnico terminou, Fausto deu uma levíssima balançada ao levantar e foi descansar rapidinho. Uns quinze minutos depois, reapareceu de copo em punho, virou duas cadeiras pra janela e me chamou de novo:

- Senta aqui, porra! Vamos ver os fogos juntos!

Até hoje, tamanha a força que Fausto me inspirava, fico pensando se ele havia esquecido dos fogos ou se estava determinado a permanecer ali, bebendo, até o fim do ano que começava. Sou ateu, mas se houver outra vida, já tenho a frase que direi ao rever o Fausto:

- Vim ver os fogos, porra!

E cantaremos a Internacional.

.

Recebemos esse texto por e-mail, da assessoria do Aldir. Solicitamos autorização para postar internet afora. A assessoria do Aldir nos respondeu:

"O Aldir AUTORIZA, sem problemas, mas como foi um texto feito (sem ônus) para a revista da ABI, por favor entre em contato com o jornalista José Reinaldo Marques, cujo e-mail vc vê em CC, que envio para ele, para acertar qualquer detalhe crédito, etc."

Entramos, comunicamos. O José Reinaldo não respondeu. Aplicamos o princípio do "quem cala consente".

Taí para o deleite dos nosso leitores.

.

4 comentários:

Jean Scharlau disse...

Grande Fernando! (E também:) Grande, Fernando! Essa Agência Assaz Atroz (PressAA) está dando nó no buraco da agulha (não me pergunte o que isso significa pois acabei de inventar e ainda não defini a utilidade, usei aqui só para retribuir a grata prenda deste achado mostrando a minha mais nova invenção - se não estiver à altura considere só a intenção). Abraço do Scharlau.

Hilda disse...

Tem tudo a ver, Jean, pois buraco de agulha, pelo formato, é espectro de pingo d'água.

Anônimo disse...

Oi Fernando,

estou precisando muito falar com o Aldir, vi aqui que você entrou em contato com acessoria dele. Será que você poderia me enviar o e-mail para mim, por favor?

mgpinho arroba hotmail.com

depois apaga este post por favor pro meu e-mail não ser (ainda mais do que já é) alvo de spam, etc...

obrigado!!

abraço!!

Marcio

Diretor do Departamento de Achados e Perdidos da PressAA disse...

.

Caro Marcio anônimo, lamentamos não poder atendê-lo, pois nós próprios tivemos muito trabalho para conseguir endereço eletrônico de Aldir. Precisamos lançar mão dos serviços de Komila Nakova, que estava em Dubai a serviço da extinta KGB, e um turista brasileiro que fazia figuração em Caminho das Índias vendeu o
e-mail do AB para pagar um PF.

Mas nem tudo está perdido. Se você não contar nada ao Fernando, a gente empresta o Goober pra você fazer um tour no universo googleriano, onde provavelmente vai encontrar o caminho das pedras para chegar ao Aldir. Um bêbado ou uma equilibrista virtual pode lhe dar carona até o barraco do psicompositor assaz atroz.

Atenciosamente

K.D. Audi Blank
Diretor do Departamento de Achados e Perdidos da PressAA

.